sábado, 11 de janeiro de 2014

O busílis da questão

Quando eu era criança, nos meus 6-7 anos, lembro do meu avô descascar uva verde, dividir no meio, tirar a semente -- uma quantidade equivalente a um prato de sopa fundo -- e eu sentava no colo dele e ele dava na minha boca.

Lembro da minha avó fazer brigadeiro, um prato cheio deles, e colocar do lado da minha cama antes de eu dormir.

Lembro de ter 11 anos e pesar 112 quilos.

Mas não lembro de piadas das outras crianças com relação ao peso. Lembro uma vez de ter insistido em fazer permanente e ai sim, foi uma piada atrás da outra, porque realmente ficou horrível -- mas eu já cheguei dizendo que estava horrível.

Será que sofri daquilo que hoje chamam bullying por ser gorda e não lembro porque foi ruim?

Um aparte: na minha época não lembro de nome para o atual bullying. Lembro de pais mandando @ filh@ calar a boca ou dando um tapão na bunda quando falava alguma coisa que não devia, quando apontava para alguém na rua, quando não dava lugar para pessoas mais velhas, quando ria de alguém por qualquer motivo.

Honestamente, não lembro de ter sofrido disto. Eu ia para a praia direto da escola -- eu morava em Santos/SP/BR -- de biquíni que vestia por baixo do uniforme. Estudei no Stella Maris, no São José, no Carmo e a pior coisa que lembro foi ter levado um sanduíche em pão tipo pullman com pimenta malagueta verde temperada com sal e azeite que meu avô fazia e um menino ter pedido um pedaço e, depois de eu avisar, ele deu uma mordida e quase desmaiou.

Eu fazia teatro -- fiz até o antigo colegial -- interpretando Shakespeare -- inclusive escrevi uma paródia de Hamlet, "Omelete".

Lembro também de um rapaz pelo qual tive uma paixoneta e ele gostava de uma outra moça bem mais velha que eu, que por acaso era mais gorda que eu.

Lembro de ser chamada de "c* de ferro", porque gostava de estudar, tirava boas notas e era a queridinha dos professores.

Mas intimidação por ser gorda, não lembro. 

Não lembro de ter reclamado de uma situação deste gênero para os meus avós (que me criaram), nem lembro de ter provocado algum tipo de situação indesejável que tenha feito com que um professor mandasse um outro aluno para a Diretoria -- pelo contrário, eu fui para a Diretoria algumas vezes, por tocar o alarme antes da hora, trancar todas as portas de todos os banheiros e jogar as chaves fora, e mais algumas coisas.

Logo antes de engravidar eu estava com 62 quilos, 25 anos e 1,72 cm e logo depois que fiquei grávida, uns 3 meses, fui a uma festa e ai sim, teve um indivíduo falou "Está grávida ou é gorda mesmo?" -- e lembro como se fosse hoje o que respondi: "E você, é feio, burro, tudo junto, nasceu assim ou mamãe que deu as instruções?".

Então realmente não devo ter passado por qualquer tipo de intimidação quando era criança, acho que lembraria.

A minha família é grande, somos todos grandes, com exceção da minha mãe/avó/prima, o resto, de ambos os lados, tudo grande.

Ossos grandes, estatura elevada, vozeirão (eu sou tenor), ombros, coxas e quadris largos, pés grandes.

É a minha assinatura, é o meu ADN. Sou grande, sempre fui. Mesmo com 62 quilos eu era grande, jamais usei calça menor do que 42: quadril muito largo.

Este é o busílis da questão. Ninguém se mete a besta com um mulherão de 1,72 cm com o meu tamanho -- eu sou larga --, então, bullying, não. Mas havia alguns comentários.

"Você tem um rosto tão lindo, já pensou em emagrecer?"

Como é que se compõe a resposta a um comentário (gratuito, diga-se de passagem) destes?

Normalmente eu olho para a pessoa, desenho uma caricatura mental e dou a resposta. A última vez, numa piscina, para uma "senhora", a resposta foi "A senhora tem uma boca tão bonita, já pensou em parar de falar merda?".

Costumo dizer que sou antissocial. Começo a achar que não é verdade. Em 40 minutos outro dia travei conhecimento com um casal super-simpático, que me levou pela cidade a passear, apresentou-me a todos os conhecidos e não tirei um tostão da carteira a noite toda -- além de ter tido a oportunidade de fotografar muitos locais.

Sou anti-ignorantes. Pessoas que realmente acham que a vida se resume a um nada atômico tão generalizado que falam qualquer coisa, sem considerar nada e acham que podem fazer comentários ao seu talante.

Mas é possível aprender muita coisa com pessoas assim. Uma delas, por exemplo, é como divertir-se às custas da incapacidade mental demonstrada.

:)

Nenhum comentário:

Postar um comentário